Resenha Crítica Romance DESJARDIM, de Silas Corrêa Leite

Crítica Desjardim

Desjardim, Muito além do farol do fim do mundo, o terceiro romance de uma trilogia  estupenda de Silas Corrêa Leite

Desjardim, Muito além do farol do fim do mundo – é um dos primeiros livros escritos por Silas Corrêa Leite, romance que compõe uma trilogia depois de O marceneiro — A última tentativa de Cristo e Ele está no meio de nós. Um crime grave cometido, e o meliante fugindo como se querendo voltar ao começo da louca jornada da vida que fez e levou, e fazer tudo diferente. Quando não há uma saída, nada faz a volta ser pacífica. No meio do caminho do desespero há um palhaço negro vestindo um macacão amarelo, com um botijão de gás nos ombros largos, como um acusador e modificador de roteiro, feito um juiz e salvador no limbo das circunstâncias. Um livro sobre medo, fuga, arrependimento, culpa e castigo, crime e acusação. O que vem para salvar, também pode cobrar seu preço. Voltar para casa, num caminho feito errado, pode ser só um pedido de mãe, e, como diz Henfil, quem tem mãe não tem medo. Essa é aventura de Desjardim.

-Silas Corrêa Leite, ao seu estilo diferenciado e peculiar, coloca a alma no que cria em prosa e verso. Nas ficções que elabora, coloca os seus mirabolantes personagens em conflito, radicaliza momentos cruciais, nutre os seres de sonhos loucos, e, ainda, com eles persegue ideais de recomposição em portentosas trilhas de vida. Zuenir Ventura diz, “a literatura é capaz de criar um personagem que tenha muito mais coerência do que um personagem da vida real, porque ele passa a ser convincente dentro da própria lógica interna da narrativa”. Essa é a ideia deste romance que completa uma trilogia do autor. O autor busca na cumplicidade do leitor, um jeito todo próprio de tomá-lo pela mão e conduzi-lo pelo prisma diáfano da história, com sangue, suor e lágrimas no mesmo diapasão. Ivan Ângelo diz que escreve para mexer com a cabeça das pessoas.  Deve ser esse também o propósito do autor de DESJARDIM, MUITO ALÉM DO FAROL DO FIM DO MUNDO (*).  James Joyce disse que, às vezes, as pessoas não são pessoas, são rios, matas, anseios humanos, impulsos colhidos num painel arquétipo. Silas Corrêa Leite dá curso a essa ideia, retraduz jornadas a relatar uma realidade substituta, talvez um mundo paralelo, Desjardim, o Farol do Fim do Mundo, ou qualquer outro nome que tenha o próprio desmundo. Uma história que daria um belo filme. João Silvério Trevisan (Balaio de Textos/Oficina Literária do SESC-SP) disse que tudo o que o autor escreve é cênico, fílmico. Neste romance, o destino de um jovem alienado, a apelação da mãe pela sua salvação. “Quem tem mãe não tem medo”, disse Henfil. Então não existe destino? Escolhemos ou somos escolhidos? Que mistério é o triângulo do tempo? Quem nos salvará de nós? Virginia Wolf diz que a vida atual é feita de trevas impenetráveis que não permitem a visão circunspecta do romance tradicional. Lemos na obra, as luzes de um estado entre o numinoso e o telúrico, num romance em trânsito em que o personagem principal desconstrói uma vida errada, ergue paulatinamente um novo estar em si (e um caminho muito além de si a partir dessa nova empreita) com revelações, loucuras de percurso, tudo fazendo crer que, sim, o tempo pode parar, o céu pode esperar, afinal, somos o céu e o inferno em nós mesmos. DESJARDIM, MUITO ALÉM DO FAROL DO FIM DO MUNDO é quase uma parábola sobre a desvairada condição humana. Então não estamos perdidos, quando temos uma esperança? Sempre há uma chance? Que preço é o fardo inexorável do perdão? Todos serão salvos ou há mesmo um FAROL, MUITO ALÉM DO FIM DO MUNDO, feito um DESJARDIM? Um romance sobre desvios de conduta humana, desvão de almas; sobre purgações, fermentos, achadouros, chorumes; o punho de Deus, o algoz de Deus, e, claro, certamente também o enviado de Deus, quem quer que Ele seja. Segundo Luci McCormick Calkins, “escrever faz com que descubramos e celebremos os padrões que organizam nossa existência”.

-Um jovem problemático comete uma infração hedionda e deixa a sua marca fatal de destemperado no local de mais um crime, o pior deles. Começa aí a contagem regressiva de sua estranha e inevitável fuga. Após isso o desespero atiçado move a própria alienação. Que inusitada saída é a louca corrida dentro do que pode ser o labirinto de um espaço inexistente no mundo real, feito uma realidade paralela? Parece que é nesse não-lugar, como uma espécie alienada de não-ser, que tudo é posto a prova feito uma aventura de percurso. Quem nos salvará de nós, se encontrando conosco mesmo, quando estamos frente a frente com a dura realidade, reestimando erros, falhas; falcatruas de uma senda pregressa e o próprio horror de uma vida inteira errada, e quando, então, tudo é implacavelmente questionado, numa interpelação para lá de inexplicável? Desjardim é o cenário. Quando estamos em perigo terminal, adrenalina a mil, é que sentimos o apuro de uma verdade conflitada, face ao questionamento da verdadeira coragem. O romance começa com uma tragédia em Sampa. E uma volta para a terra-mãe, Itararé, pode ser uma espécie de refinamento íntimo a partir de nódoas, deszelos, perdas, vertentes alegóricas, psicológicas, medos e alterações do estado de espírito, dentro da fantástica estadia de percurso. E um negro pintado de palhaço, quem é? A encruzilhada carrega desígnios… DESJARDIM é de múltiplas linguagens e intertextos. Tem o propósito de auditar uma vida perdida. Não se amarram mais ladrões em árvores. A beira da trilha inominada de cada um, sempre haverá a mescla silenciosa de nossas culpas sistematizadas, de resignações neuróticas, de sublimações desviadas, pesadelos e sequelas. Há um circo armado em cada encruzilhada. Em DESJARDIM, tudo pode acontecer no curso do caminho em desvario. Sempre estivemos presentes em todo local de nossa existencialização. Somos assim a melhor e a pior testemunha com presencial de defesa contra nós mesmos. Perturbados ou sob pressão de estadia, precisamos pensar percursos e rever trajetos. Nada ficará impune para sempre. A volta para casa pode ser a própria casa em que estamos, o lugar nosso de ser e de buscar um sentido. Parafraseando Mia Couto, “Que lugar em nós é a casa?” Tudo passa pelo fio de navalha do remorso, e todo questionamento é clarificado pela consciência sob pressão; com uma perspectiva de delírio, perseguição, horror e morte, feito uma emergencial mudança da estação. Que lugar, afinal, é o DESJARDIM? Muito além do farol do fim do mundo pode ser qualquer lugar, como qualquer um pode ser posto a prova em juízo de confinamento, jugo e valor. Essa é a ideia deste romance, cujo leitmotiv é essa passagem, a travessia; os deslocamentos, retornos (Itararé, sentimentos, consciência, culpa, memórias revisitadas e a angústia-vívere); acontecências em trânsito (às vezes em pânico), um não-ser num não-lugar? O mundo de cada um pode acabar num outro mundo. Contextualizando o entorno, você pode não sacar as regras inteiras todas, e vai precisar delas para sobreviver no seu limite, e até arguir em sua legítima defesa infinita e particular; compreender o soro da razão, estimar pesadelos, remoer a ideia da sobrevivência possível. Que circo armado é o DESJARDIM da vida? Que acusações pesam contra nós, e só nós, no íntimo sabemos? Qual é a única saída de emergência inusitada? Quem intercederá por nós? Leia e tente se salvar também. Talvez você invente uma chance. Talvez ainda haja tempo. O enigma da vida passa por teias invisíveis que unem, cruzam, agridem ou agregam, e podem intermediar a nosso favor, ou não. Que lugar você é? A sua cota de culpas está colada em seu enredo existencial, ou você é só um maldito vivo? Vai encarar? A pior loucura é quando não podemos nunca mais fugir de nós, e então só nos resta um lugar qualquer (muito além do farol do fim do mundo) o DESJARDIM, o que quer que ele realmente ou de surreal seja. Bem-vindo ao seu inferno particular. O martelo ainda não sentenciou ninguém. Corra o risco. Um palhaço numa encruzilhada terreal de sua vida vai esperar você também para o confronto final, e não está longe o seu dia. Em que buraco você vai tentar se esconder?  “DESJARDIM” é um thriller que usa várias linguagens, mostrando uma vida jovial em paradoxo e tudo o que reconstrói o entorno. O pragmatismo entre o que nos restará ser, depois de tudo o que a vida fez de nós. Um tour de force com prisma no fantástico, focando tenebrosos tempos contemporâneos. DESJARDIM visita também o encantário, o fantástico; a própria clarificação muito além da selva de pedra da “louca vida” como cantou Cazuza. Sofrer, um rito de passagem? Talvez “DESJARDIM” seja uma fábula sobre o caminho, o horror da vida e até mesmo o próprio amor à vida. Essa é a ideia da história, quase que uma fábula moderna. E um livro assim deve servir como um machado para o mar congelado dentro de nós, como disse Kafka. Mentes abertas, corações abertos. Talvez valha a pena. A madeira torna-se flauta quando é amada.

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Maria Lucia M. Martins

Professora e Publicitária

CULT-NEWS – la-goeldi@bol.com.br

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